As cidades não deveriam crescer, já dizia Frei Betto. Assim seríamos sempre crianças, mesmo quando adultos. Mas elas crescem. Em alguns casos modernas e progressistas. Em outros casos, pobres e seletivas como a nossa.
.
Se minha cidade não tivesse crescido, eu ainda ouviria o som do apito das fábricas às onze e meia da manhã. Correria pela praça dos macacos sem culpa. Curtiria um bom filme no Cine Apolo, naquela sessão onde as moças não pagavam. Na segunda-feira, vestiria meu blusão cinza e minha saia de pregas, e mascando um ping-pong, iria sem medo ao Diocesano assistir mais uma aula com Dª Alice.
Mas elas crescem. Se não tivesse crescido, eu com certeza veria meu pai chegando do serviço, cansado, mas feliz. Correria entre as árvores da praça do porto vendo os lotações saindo e voltando do centro à alfândega. Passearia de mãos dadas com minha mãe pela Andrade Neves apenas para olhar vitrines, e entre meus sonhos de consumo, apenas um diário e um par de meias de seda. Aceitaria o convite de meu avô para ir ao Mercado Central, e lá entre os aromas mais diversos, escondida, pegaria nas sacas grãos de milhos para jogar aos pombos que pousavam atrás das bancas. Ouviria os sinos das igrejas e sorriria para todos, porque o pecado ainda não tinha sido inventado. Veria a pobreza na vila dos agachados, e não me surpreenderia com as mãos encardidas do engraxate.
.
.
Mas elas crescem, assim como nós. E crescem com problemas que muitos fingem não existir. Inventaram o pecado, o preconceito e a exclusão. Criaram o Dunas, o Getúlio Vargas e a Governaço. Nossas crianças crescem sem ver a cidade crescer, sem praça para correr, sem lembranças. Não vêem a hora de crescer, perdem a hora de viver. Não sorriem mais, pois não há motivos para tal, nem para quem sorrir sem provocar segundas intenções. Andam nas ruas de pés descalços, amassando uma mistura de barro e merda, bebem da água, mas não sabem a fonte.
.
Elas crescem, as cidades e as crianças. Umas se tornam metrópoles, e doutores. Outras favelas e marginais, em ambos os casos os culpados não admitem a culpa, e mentem para si próprios que a cidade é próspera e suas crianças têm futuro.
.
.
Eu, às vezes, me pego ao saudosismo como fuga da realidade que me cerca. Meu muro é tão alto, que não consigo ver o telhado do meu vizinho. Se minha cidade não tivesse crescido, da minha janela veria a vida lá fora.
Postado por Anna Maria
Nenhum comentário:
Postar um comentário