Editorial publicado hoje no jornal Folha de São Paulo:
Não precisa
Como é costume nas polêmicas pela internet, ataques de cunho pessoal foram desfechados contra a cantora Maria Bethânia, após a aprovação, com base na Lei Rouanet, do seu projeto para criar um blog com declamações de poesia. Ao custo de R$ 1,3 milhão, a estrela da MPB participaria de videos diários de 60 segundos. Eles seriam dirigidos pelo cineasta Andrucha Waddington e veiculados pela rede de computadores. O episódio traz à tona problemas que seria mais correto abordar de modo amplo. Dizem respeito -e não é a primeira vez que isso acontece- ao modo com que se aplicam os mecanismos de incentivo à cultura no país.
Oficialmente, o Ministério da Cultura não destinou a quantia (por certo exagerada) de R$ 1,3 milhão para o blog de Bethânia. Apenas autorizou que os idealizadores do projeto captassem, junto à iniciativa privada, tal montante. O argumento, que os meios oficiais repetem em prosa e verso, é todavia enganador. O investidor privado consegue ampla isenção fiscal quando aplica dinheiro pela Lei Rouanet. Segundo declarou em 2009, numa sabatina à Folha, o então ministro da Cultura, Juca Ferreira, "nove entre dez empresários só trabalham com 100% de renúncia fiscal".
É o próprio contribuinte, portanto, quem termina pagando pelos projetos patrocinados -os quais, por sua vez, facilmente revertem em prestígio e propaganda para quem os financiou. Diminuir o teto das isenções seria, assim, um aperfeiçoamento bem-vindo na Lei Rouanet -que tem, sobre o investimento direto do governo na cultura, a vantagem de evitar o dirigismo estatal. Os recursos do contribuinte não devem, ademais, ser utilizados no financiamento de projetos de artistas conhecidos, perfeitamente viáveis sem ajuda do Estado.
A Lei Rouanet faz sentido quando empresas se dispõem, por exemplo, a arcar com os custos de preservação do patrimônio histórico, ou com atividades formativas como a abertura de bibliotecas ou cursos de educação artística. Nesse critério não se inclui o blog de Bethânia, intitulado "O Mundo Precisa de Poesia". De poesia, todo mundo precisa. Da Lei Rouanet, nem todo mundo -nem tanto assim.
Ontem a matéria na coluna de Fernando Barros e Silva
era um tanto contraditória, hoje parece que o jornal tomou uma posição mais coerente
20 de mar. de 2011
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